Imposto sobre o mercado cripto e Bitcoin deve ser criado por Lei Complementar

Neste artigo, analiso a possibilidade de instituição de um novo imposto sobre o mercado cripto, especificamente a possibilidade de incidência do IOF sobre criptoativos, na sequência da elevação do IOF para operações de câmbio, operações financeiras e seguros, implementada pelo Decreto nº 12.466/2025.
Argumento que a eventual criação desse novo tributo deve necessariamente ser implementada por meio de Lei Complementar, sendo inviável sua instituição por meio de Decreto ou Lei Ordinária.

Contexto

O presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, conforme notícia publicada no site Brazil Journal, sugeriu que o governo avalie a instituição de tributação sobre o mercado cripto.
Noronha também sugeriu ao Ministério que avalie a tributação do mercado cripto. Como esses ativos são isentos de IOF, poderiam ser usados para o envio de recursos ao exterior, para ‘driblar’ a tributação das contas globais e cartões.
O tributo sugerido pelo presidente do Bradesco seria, presumivelmente, uma nova hipótese de incidência do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF) sobre aquisição de criptoativos ou stablecoins, e teria a finalidade de impedir planejamentos tributários tendentes a elidir o IOF na aquisição de moeda estrangeira, com o uso de stablecoins.

Atualmente, as operações com criptoativos e stablecoins não são tributadas pelo IOF, tendo em vista que tais ativos não se enquadram nos critérios materiais da regra-matriz de incidência tributária desse imposto definidos no artigo 63 do Código Tributário Nacional (CTN) — Lei nº 5.172/66.

Os critérios materiais do IOF previstos nos incisos I a IV do art. 63 do CTN são os seguintes: realizar operações de crédito (I); realizar operações de câmbio (II); realizar operações de seguro (III); realizar operações relativas a títulos e valores mobiliários (IV).

O Banco Central do Brasil, seguindo a metodologia definida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), define criptoativos em dois tipos: os CAWLM (crypto assets without a corresponding liability designed to act as a general medium of exchange), que são os criptoativos sem emissor, como é o caso do Bitcoin, e os criptoativos com emissor, que são as stablecoins, como USDT ou USDC, por exemplo.

Resta evidente, portanto, que os criptoativos e as stablecoins não se enquadram em nenhuma das quatro hipóteses do art. 63 do CTN — não são operações de crédito, não são moeda nacional ou estrangeira, não são seguros ou títulos e valores mobiliários. Consequentemente, não sofrem atualmente incidência do IOF.

Possibilidade de instituição do IOF ou outro imposto sobre aquisição de criptoativos

O IOF está previsto na Constituição, art. 153, inciso V, e no Código Tributário Nacional (CTN) — Lei nº 5.172/66, nos artigos 63 a 67. O dispositivo constitucional define como imposto sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários”.

O Código Tributário Nacional é uma Lei Complementar, que tem critérios formais específicos para sua aprovação no Congresso Nacional, entre os quais a exigência de maioria absoluta dos votos, conforme art. 69 da CF/88, ou seja, é necessário que mais da metade dos parlamentares aprovem a medida.

Ocorre que, para instituir um tributo, a Constituição Federal, por meio do art. 146, II, exige lei complementar para “definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.

Nessa senda, para instituir um IOF sobre criptoativos, como Bitcoin, Ether ou stablecoins, é necessário que seja alterado o CTN, via Projeto de Lei Complementar, introduzindo um novo critério material para incidência do IOF, já que as moedas virtuais, apesar de popularmente conhecidas como moedas, não são reconhecidas juridicamente como moedas pelo ordenamento jurídico pátrio.

Outra possibilidade de criação de um imposto sobre Bitcoin ou criptoativos, em geral, seria por meio do previsto no art. 154 da CF/88, que confere à União a competência para instituir, “mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior [art. 153], desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.

Dessa forma, caso esse novo tributo seja criado por meio de Decreto Executivo, Lei Ordinária ou Medida Provisória, estará violando o princípio da legalidade tributária e, portanto, será inconstitucional.

Consequentemente, o Poder Executivo não pode estabelecer a incidência do IOF sobre a aquisição de tais ativos virtuais por intermédio de Decreto. Para isso, será necessário um Projeto de Lei Complementar, aprovado no Congresso Nacional, por maioria absoluta das duas Casas.

Conclusão

A instituição de tributação sobre o mercado cripto, de forma similar ao que ocorre nas operações financeiras tradicionais, foi sugerida ao governo por executivo do mercado financeiro, com a finalidade de impedir planejamentos tributários que utilizam criptoativos para transferir recursos ao exterior sem incidência do IOF.

Esse novo imposto pode ser instituído pela União, mas deve necessariamente ser criado por Lei Complementar, com aprovação por maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional. Qualquer outro instrumento legislativo de instituição desse eventual novo tributo — Decreto, Lei Ordinária ou Medida Provisória — seria inconstitucional.

Referências

As sugestões do Bradesco ao governo sobre o IOF. Brazil Journal, 23 maio 2025. Disponível em: https://braziljournal.com/as-sugestoes-do-bradesco-ao-governo-sobre-o-iof/. Acesso em: 2 jun. 2025.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Notícia do Blog BC. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/noticiablogbc/6/noticia. Acesso em: 2 jun. 2025.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 2 jun. 2025.

INTERNATIONAL MONETARY FUND. Treatment of Crypto Assets in Macroeconomic Statistics. Washington, D.C.: IMF, 2019. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2019/pdf/Clarification0422.pdf. Acesso em: 2 jun. 2025.

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