Nosso diálogo com o mercado tem sido constante. Não temos nenhum problema em corrigir rota, desde que seja mantido o rumo traçado pelo governo, de reforçar o arcabouço fiscal e cumprir as metas para a saúde financeira do Brasil.Essa declaração evidencia que o objetivo da elevação do IOF é exclusivamente arrecadatório, para atender a uma necessidade de equilíbrio fiscal do governo federal.
IOF com função arrecadatória e o princípio da legalidade tributária
A CF88 permite a elevação de alíquotas do IOF mediante Decreto do Presidente da República (e não meio de Lei formal aprovada no Congresso Nacional, como é a regra), ao estabelecer exceção ao princípio da legalidade tributária (CF88, art. 150, I) para tal tributo por meio do art. 153, §1º, nos seguintes termos:
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.O inciso V do art. 153 é o que confere à União a competência para instituir o IOF.
Entretanto, o art. 146 da CF88 - que reproduzimos a seguir, estabelece o seguinte:
Art. 146. Cabe à lei complementar:Assim, resta evidente que as limitações ao poder de tributar são definidas em lei complementar - que, no caso, é o Código Tributário Nacional (CTN) - Lei nº 5.172, de 1996.
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária (...)
O CTN traz as normas gerais relativas ao IOF em seus artigos 63 a 67, dos quais destacamos o art. 65, que rege limitação ao poder de tributar aplicáveis a esse tributo em relação às situações que o excepcionam do princípio da legalidade.
Art. 65. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do impôsto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária.Esse dispositivo do CTN é claro no sentido de excepcionar o IOF do princípio da legalidade apenas para objetivos de "política monetária".
Ocorre que a Lei nº 8894/94, que dispõe sobre as alíquotas máximas do IOF, ampliou - de forma contrária ao CTN - as possibilidades de exceções ao princípio da legalidade nos art. 1º, §2º e art. 5º, parágrafo único, a seguir reproduzidos:
Art. 1º § 2º O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal.Esses dispositivos da Lei nº 8.894/94 estão indevidamente ampliando o rol de possibilidades de exceções ao princípio da legalidade para objetivos de política fiscal e cambial, regulando, portanto, o poder de tributar.
Art. 5º Parágrafo único. O Poder Executivo poderá reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal.
"Indevidamente" pois a Lei nº 8894/94 é uma lei ordinária, e o art. 146, II da CF88 define que regulação ao poder de tributar é matéria de lei complementar (CTN).
Nesse contexto, os referidos dispositivos da Lei nº 8.894/94 que execepcionam do princípio da legalidade a alteração de alíquotas do IOF para objetivos de política fiscal (art. 1º, §2º) e cambial (art. 5º, parágrafo único) são inconstitucionais, tendo em vista o comando constitucional previsto no art. 146 combinado ao art. 65 do CTN - excepcionam o IOF do princípio da legalidade apenas para objetivos de "política monetária", não admitindo, portanto, exceções para objetivos de "política fiscal e cambial".
Como já demonstrado, o Decreto nº 12.466/2025 majora alíquotas de IOF para atender objetivos de política fiscal ("reforçar o arcabouço fiscal", nas palavras do Ministro da Fazenda), e, portanto, viola o art. 65 do CTN (que só permite exceção ao princípio da legalidade para alterações de alíquotas do IOF para atender objetivos de política monetária).
IOF com função arrecadatória e o princípio da anterioridade tributária
O IOF, por sua natureza extra-fiscal, está excepcionado das regras de anterioridade tributária por meio do inciso 2º do art. 150 da CF88, com a seguinte redação:
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.O princípio da anterioridade tributária, conforme Roque Antônio Carrazza (Carrazza, 2024, p. 184):
é o corolário lógico do princípio da segurança jurídica (...) e veicula a ideia de que deve ser suprimida a tributação de surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes)Nessa senda, se o Poder Executivo pretende utilizar o IOF como instrumento de arrecadação, deveria respeitar os princípios constitucionais da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal previstos no art. 150 da CF88. Congresso Nacional pode sustar os efeitos do Decreto nº 12.466/2025
Nessa perspectiva, cumpre mencionar que, nos termos do art. 49, inciso V, da Constituição Federal de 1988, compete ao Congresso Nacional
sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativaDessa forma, eventual Projeto de Decreto Legislativo que vise sustar os efeitos do Decreto nº 12.466/25 será legítimo, pois o Decreto nº 12.466/2025 claramente exorbita o previsto no art. 65 do CTN.
Conclusão
O Decreto nº 12.466, de 22 de maio de 2025, que majorou o IOF para atender objetivos de política fiscal — "reforçar o arcabouço fiscal" —, com finalidade arrecadatória (e não extra-fiscal) exorbita a delegação legislativa e contém disposições potencialmente ilegais e inconstitucionais ao violar o princío da legalidade (CF88, art 146 e 150, I, e CTN art. 65).
Referências Bibliográficas
Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário / Roque Antonio Carrazza - 35.ed.rev.,atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.
0 Comentários