Regulação do streaming: considerações sobre constitucionalidade da Condecine-VOD prevista nos PL 8.889/2017 e PL 2.331/2022

Este artigo analisa os Projetos de Lei nº 8.889, de 2017, e nº 2.331, de 2022, que propõem a criação da contribuição denominada CONDECINE-VOD, destinada a incidir sobre a receita bruta de empresas de vídeo sob demanda. A análise demonstra que, embora formalmente apresentada como Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a proposta viola aspectos formais de instituição e princípios informadores do sistema tributário, especialmente referibilidade, finalidade e necessidade, resultando em sua inconstitucionalidade.
Regulação do streaming  de vídeo no Brasil e Condecine-VOD: considerações sobre constitucionalidade


Palavras-chave: Tributação; CIDE; CONDECINE-VOD; Inconstitucionalidade; Sistema Tributário; Referibilidade; Finalidade.

1. Introdução

Os Projetos de Lei nº 8.889, de 2017, e nº 2.331, de 2022, tramitam sob a justificativa de promover a "regulação do vídeo on-demand" no Brasil. No entanto, observa-se que tais proposições têm como núcleo a criação de um novo tributo, na forma de uma contribuição com natureza jurídica formal de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a chamada CONDECINE-VOD. Essa contribuição pretende tributar, em até 6%, a receita bruta de empresas que operam serviços de vídeo sob demanda, como Netflix, Prime Video, YouTube e similares.

O presente artigo analisa a constitucionalidade da referida CIDE à luz do ordenamento jurídico-tributário brasileiro, examinando seus pressupostos e fundamentos normativos e apontando sua incompatibilidade com os princípios constitucionais do sistema tributário.

2. A Natureza Jurídica das CIDEs

As CIDEs encontram previsão expressa no artigo 149 da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."¹

O §2º do referido artigo estabelece que tais contribuições não incidirão sobre receitas decorrentes de exportação, incidirão sobre importação de produtos estrangeiros ou serviços, e poderão adotar alíquotas ad valorem ou específicas.

Conforme Paulsen (PAULSEN, VELOSO, 2019, p297), as contribuições interventivas são instrumentos destinados a propiciar ou facilitar a intervenção, por parte da União, no domínio econômico. O domínio econômico é próprio dos entes privados, regulado pela Constituição Econômica - Título VII (“Da Ordem Econômica e Financeira”).

Nesse sentido, há autorização constitucional para a instituição de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico para que a União promova uma intervenção na Ordem Econômica (art. 170 a art. 181 da CF/88). O legislador constitucional originário não autorizou, portanto, a instituição de CIDEs para intervenção na Ordem Social.

Mais adiante mostraremos que a CONCEDINE-VOD se presta obter recursos para que a União incentive uma atividade de natureza cultural, obras cinematográficas, reguladas pela Ordem Social, e não pela Ordem Econômica. Assim, a CONDECINE-VOD tem natureza jurídica de contribuição interventiva geral e não de uma contribuição de intervenção no domínio econômico.

3. A CONDECINE-VOD como CIDE: aspectos formais

As Contribuições são tributos de natureza teleológica (finalista). Nesse sentido, o produto de sua arrecadação está necessariamente afetado a determinados objetivos de política pública. No caso das CIDEs, sua finalidade é a de incentivar setores da economia privada - abrangidas pela Ordem Econômica.

Relativamente ao instrumento formal de instituição, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 396.266/SC², reconheceu que as CIDEs podem ser instituídas por lei ordinária, e que os contribuintes não necessitam, obrigatoriamente, serem beneficiários diretos das políticas públicas financiadas com os recursos arrecadados. Contudo, essa decisão não esgota a análise sobre a pertinência temática entre sujeito passivo e finalidade da contribuição.

Formalmente, as CIDEs devem ser instituídas para fins de intervenção no domínio econômico, conforme art. 149 da CF/88. A CONDECINE-VOD, objeto dos projetos de lei supra-relacionados, contudo, destina-se ao fomento de atividades de natureza cultural relacionadas à ordem social, a qual é regulada pelos arts. 216 e 216-A da Constituição, fora, portanto, da ordem econômica.

Nesse contexto, a contribuição que se pretende instituir nos referidos projetos de lei não se enquadra - materialmente - como CIDE. A nova exação proposta é uma contribuição social geral. 

4. O Princípio da Referibilidade e a Pertinência Temática dos Sujeitos Passivos

Em que pese o precedente do STF no julgamento do RE 396.266/SC supra mencionado, a doutrina majoritária entende que as contribuições interventivas devem observar um liame mínimo entre o sujeito passivo da obrigação tributária e a finalidade da contribuição. Paulsen (PAULSEN, VELLOSO, 2019) assevera:

O legislador não pode buscar toda e qualquer finalidade através das contribuições especiais, pois no nosso sistema constitucional não há uma competência genérica para a instituição de tais tributos. O que existe são competências específicas, cujos limites devem ser rigorosamente observados pelo legislador.”³

Assim, a referibilidade — entendida como pertinência temática — constitui pressuposto de validade das Contribuições Intervenivas. No caso da CONDECINE-VOD, tal exigência não é atendida, na medida em que as plataformas de compartilhamento de vídeos, como YouTube, TikTok e Instagram, entre outros, não possuem relação direta com a produção audiovisual profissional que a contribuição visa fomentar.

Ademais, por ser um tributo indireto, sua incidência será repassada aos usuários das plataformas, configurando evidente descompasso entre os sujeitos passivos e a finalidade da exação. Como também destaca Paulsen:

“A referibilidade é pressuposto de validade de todas as contribuições especiais [...] relativa à pertinência entre a finalidade da contribuição e as atividades ou interesses dos sujeitos passivos (referibilidade como pertinência). A negação desse liame mínimo [...] levaria à total deturpação das contribuições especiais.”⁴

5. A Violação ao Princípio da Finalidade

O princípio da finalidade constitui elemento estruturante das contribuições especiais, impondo que sua cobrança seja vinculada à realização efetiva do objetivo a que se destina. Nesse sentido, Paulsen ressalta:

“Elas somente podem ser cobradas na medida em que sejam efetivamente necessárias à realização das suas finalidades. E se os recursos são parcialmente desviados para outros fins, é porque eles não são inteiramente necessários à realização das finalidades que justificam a sua cobrança, o que vem a macular a sua própria validade.”⁵

A proposta da CONDECINE-VOD destina os recursos arrecadados ao Fundo Nacional da Cultura (FNC). Entretanto, há evidências de que os recursos desse fundo não têm sido integralmente utilizados, o que compromete a necessidade e a finalidade do aumento da arrecadação, tornando desproporcional a expansão da base tributável.

Adicionalmente, os Projetos de Lei nº 8.889/2017 e nº 2.331/2022 não apresentam fundamentação fática robusta que justifique a criação de nova contribuição, carecendo de demonstração concreta da necessidade de intervenção estatal.

6. Conclusão

Conclui-se que, sob o propósito de "regulação do streaming", os Projetos de Lei nº 8.889/2017 e nº 2.331/2022 propõem, de fato, a instituição de um novo tributo: CONDECINE-VOD. Essa contribição, embora formalmente qualificada como CIDE, a CONDECINE-VOD se propõe a arrecar recursos para intervenção da União em segmento da Ordem Social (cultura), fora, portanto, dos segmentos abrangidos pela Ordem Econômica (que autorizam a criação de CIDEs).

Ademais, ao incluir plataformas de compartilhamento de vídeos como sujeitos passivos, a proposta viola o princípio da referibilidade, por ausência de pertinência temática. Soma-se a isso a violação ao princípio da finalidade, tendo em vista a ausência de comprovação de necessidade concreta para aumento da arrecadação, especialmente considerando o subaproveitamento do Fundo Nacional da Cultura.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 396.266/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno, julgado em 11 nov. 2003.

PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei P. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2019. E-book. p.107. ISBN 9788553612932.

GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura "sui generis". São Paulo: Dialética, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 154

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