Análise: constitucionalidade do Decreto Legislativo (DL 176/2025-CN) que sustou a elevação do IOF

A edição, pelo Congresso Nacional, do Decreto Legislativo nº 176, de 2025, com o objetivo de sustar os efeitos de três decretos presidenciais que majoraram as alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), reacendeu o debate jurídico a respeito dos limites da delegação legislativa ao Poder Executivo e do controle exercido pelo Legislativo sobre atos normativos do governo federal. A controvérsia adquiriu contornos constitucionais relevantes com a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7839, atualmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal, em que se questiona a validade da referida sustação legislativa à luz dos princípios da separação dos poderes e da legalidade tributária.
Análise da constitucionalidade do Decreto Legislativo (DL 176/2025-CN) que sustou a elevação do IOF
Neste artigo, parte-se de um breve histórico sobre os atos normativos editados pelo Poder Executivo em 2025, que promoveram aumento expressivo das alíquotas do IOF. Em seguida, analisa-se o impacto do tributo sobre diferentes faixas de renda e o fundamento constitucional e legal do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN. Na sequência, examina-se o conteúdo da ADI nº 7839 e os fundamentos jurídicos que sustentam tanto a alegação de inconstitucionalidade do decreto legislativo quanto a sua validade. Por fim, propõe-se uma solução legislativa que assegure maior segurança jurídica na regulação do IOF, com base na redução dos tetos legais de alíquotas hoje vigentes.

1. Histórico Normativo: Decretos do Poder Executivo que majoraram as alíquotas do IOF

No primeiro semestre de 2025, o Poder Executivo federal editou os Decretos nº 12.466, de 22 de maio de 2025, nº 12.467, de 23 de maio de 2025, e nº 12.499, de 11 de junho de 2025, por meio dos quais promoveu aumentos significativos nas alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF).

Nos termos do art. 63 do Código Tributário Nacional (CTN), o IOF incide sobre quatro materialidades distintas: operações de crédito, de câmbio, de seguros e sobre títulos e valores mobiliários. Os decretos mencionados elevaram as alíquotas incidentes nas quatro hipóteses de incidência previstas no CTN, justificando-se oficialmente como medidas de reforço ao arcabouço fiscal.

2. O IOF como Tributo que Incide sobre Todas as Faixas de Renda

Ainda que se argumente que o IOF recai majoritariamente sobre pessoas de renda mais elevada, é necessário observar que o referido imposto possui um impacto transversal em toda a economia. Operações de crédito, contratos de seguro e transações com cartões de crédito ou mesmo pequenas importações envolvem, de forma direta ou indireta, consumidores de diversas faixas de renda.

Por sua natureza de tributo indireto, o IOF tende a recair com maior intensidade sobre as camadas mais vulneráveis da população, o que reforça a importância de se estabelecerem limites claros à sua modulação por atos unilaterais do Poder Executivo.

3. A Sustação pelo Congresso Nacional: Decreto Legislativo nº 176/2025-CN

Diante das alterações promovidas, o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo nº 176/2025-CN, com fundamento no art. 49, V da Constituição Federal, que atribui ao Poder Legislativo a competência para “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.





Do ponto de vista formal, portanto, o Decreto Legislativo n° 176/2025-CN está fundamentado em competência constitucional expressa, não havendo, à primeira vista, vício de iniciativa ou de forma.

4. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7839) e Argumentos Contrários ao Decreto Legislativo

A constitucionalidade do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela ADI nº 7839, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Os principais fundamentos da ação são:

i. Os decretos do Executivo não exorbitaram o poder regulamentar, uma vez que o art. 153, §1º da CF/88 autoriza o Executivo a alterar alíquotas do IOF por decreto;

ii. O art. 5º, parágrafo único da Lei nº 8.894/1994 expressamente autoriza o Poder Executivo a “reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal”;

iii. A edição do Decreto Legislativo teria violado o princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF/88), uma vez que interferiria indevidamente na esfera de competência privativa do Executivo.

5. Análise de Constitucionalidade: Limites da Delegação e a Finalidade Fiscal

Conforme já sustentado em artigo anterior publicado em maio de 2025 (veja aqui), argumentamos que os Decretos nº 12.466, 12.467 e 12.499/2025 são inconstitucionais, pois extrapolam os limites da delegação legislativa ao promoverem majoração do IOF com finalidade arrecadatória, vinculada à política fiscal, e não à política monetária, conforme exige o art. 65 do CTN:
Art. 65. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária.
Apesar de as Leis Ordinárias nº 8.894/1994 e nº 9.718/1998 permitirem ajustes também por razões de política fiscal e cambial, a interpretação sistemática e hierárquica da Constituição indica que as limitações ao poder de tributar devem ser estabelecidas por lei complementar, nos termos do art. 146, II da CF/88. Portanto, prevalece a exigência contida no CTN (lei complementar) de vinculação exclusiva à política monetária.

6. Possibilidade de Declaração de Inconstitucionalidade do Decreto Legislativo pelo STF

Ainda que a interpretação acima nos pareça mais sólida, é juridicamente possível que o STF venha a declarar o Decreto Legislativo nº 176/2025-CN inconstitucional. Isso porque:
  • O art. 1º da Lei nº 8.894/1994 estabelece alíquota máxima de até 1,5% ao dia para o IOF sobre crédito, câmbio e valores mobiliários, e o art. 15 da Lei nº 9.718/1998 admite até 25% nas operações de seguro;
  • O Poder Executivo, ao elevar alíquotas para patamares muito inferiores a esses limites máximos, estaria, em tese, agindo dentro dos parâmetros da delegação legislativa conferida por leis ordinárias, o que fragilizaria a fundamentação do Decreto Legislativo quanto à alegada exorbitância.
Assim, caso o STF entenda que houve estrita observância aos limites legais vigentes, poderá restaurar a eficácia dos decretos presidenciais ao declarar a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN.

7. Proposta Legislativa como Solução Jurídica

A fim de conferir maior segurança jurídica e restringir o espaço discricionário do Poder Executivo, o Congresso Nacional pode editar lei ordinária (uma minuta de Projeto de Lei com tal finalidade está no anexo a este artigo) alterando os arts. 1º e 5º da Lei nº 8.894/1994 e o art. 15 da Lei nº 9.718/1998, nos seguintes termos:
  • Reduzir a alíquota máxima prevista no art. 1º da Lei nº 8.894/94 de 1,5% ao dia para 0,0041% ao dia (equivalente à alíquota mensal atual de aproximadamente 1,1%);
  • Estabelecer no art. 5º da mesma lei o teto de 0,38% para o IOF sobre câmbio (valor atualmente vigente);
  • Reduzir no art. 15 da Lei nº 9.718/98 a alíquota do IOF sobre seguros de 25% para 0,38%.
Com tais ajustes, a margem de atuação do Poder Executivo estaria explicitamente limitada, de modo que qualquer elevação além desses valores dependeria de nova autorização legislativa, sob pena de inconstitucionalidade por afronta ao art. 49, V da CF/88.

Conclusão

A nosso ver, a constitucionalidade do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN se sustenta na inobservância, por parte do Executivo, dos limites legais estabelecidos por lei complementar (CTN), que restringe a alteração de alíquotas do IOF à finalidade de política monetária. Entretanto, reconhecendo-se a amplitude da delegação prevista em leis ordinárias, existe o risco jurídico de o STF declarar o referido decreto legislativo inconstitucional.

Para mitigar esse risco e preservar a prerrogativa do Parlamento, recomenda-se a edição de lei ordinária que fixe de forma clara e restrita os limites máximos das alíquotas do IOF, ajustando os dispositivos da legislação infraconstitucional às práticas fiscais vigentes. Tal medida traria maior segurança jurídica e equilíbrio institucional entre os Poderes.

ANEXO: Minuta de Projeto de Lei que propõe a limitação da delegação legislativa para alteração das alíquotas do IOF pelo Poder Executivo, com foco na redução dos tetos legais hoje vigentes

PROJETO DE LEI Nº ____, DE 2025

Altera as Leis nº 8.894, de 21 de junho de 1994, e nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, para redefinir os limites máximos das alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários – IOF.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 1º da Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários, será cobrado à alíquota máxima de 0,0041% (quatro mil e quarenta e um décimos de milésimo por cento) ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativas a títulos e valores mobiliários.


Art. 2º O art. 5º da Lei nº 8.894, de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 5º O IOF incidente sobre operações de câmbio de que trata esta Lei será cobrado à alíquota máxima de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento).


Art. 3º O parágrafo único do art. 5º da Lei nº 8.894, de 1994, permanece em vigor, nos seguintes termos:

Parágrafo único. O Poder Executivo poderá reduzir ou restabelecer as alíquotas fixadas nesta Lei, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal, desde que respeitados os limites máximos definidos nos arts. 1º e 5º.


Art. 4º O art. 15 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 15. A alíquota do IOF nas operações de seguro será de até 0,38% (trinta e oito centésimos por cento).


Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificativa

O presente Projeto de Lei tem por objetivo redefinir os limites máximos das alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), com vistas a conferir maior segurança jurídica, previsibilidade tributária e respeito aos princípios constitucionais que regem a atuação do Poder Executivo em matéria fiscal.

Atualmente, a legislação infraconstitucional permite que o Poder Executivo, por meio de decreto, altere as alíquotas do IOF, com base em delegações amplas estabelecidas nas Leis nº 8.894/1994 (artigos 1º e 5º) e nº 9.718/1998 (art. 15). Tais dispositivos autorizam majorações expressivas, com limites que chegam a 1,5% ao dia no caso de operações de crédito, câmbio e títulos, e 25% no caso das operações de seguro, o que permitiria, em tese, aumentos equivalentes a 56,3% ao mês, sem necessidade de aprovação legislativa específica.

Ainda que tais delegações legais tenham fundamento no art. 153, §1º da Constituição Federal, que admite a alteração de alíquotas do IOF por ato do Poder Executivo, é importante ressaltar que o art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal determina que cabe à lei complementar estabelecer as limitações ao poder de tributar. Nesse sentido, o Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 65, define que a alteração das alíquotas do IOF pelo Executivo deve observar os limites legais e servir exclusivamente aos objetivos da política monetária.

No entanto, como amplamente divulgado, os Decretos nº 12.466, de 22 de maio de 2025; nº 12.467, de 23 de maio de 2025; e nº 12.499, de 11 de junho de 2025, elevaram as alíquotas do IOF com fundamento em finalidades arrecadatórias, vinculadas à política fiscal, com o declarado intuito de “reforçar o arcabouço fiscal”, em contrariedade ao limite constitucional e legal estabelecido.

Tal atuação motivou a edição, pelo Congresso Nacional, do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN, com base no art. 49, inciso V da Constituição Federal, com o objetivo de sustar os efeitos dos referidos decretos presidenciais, sob o fundamento de que estes teriam exorbitado os limites da delegação legislativa.

Contudo, atualmente, encontra-se em curso no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7839, proposta por partido político com representação no Congresso, na qual se sustenta a validade formal dos decretos presidenciais em razão da ampla delegação contida nas leis ordinárias citadas.

Diante desse cenário de incerteza jurídica e da necessidade de evitar novos conflitos constitucionais, propõe-se, por meio deste Projeto de Lei, a redução dos tetos legais de alíquota do IOF para os patamares atualmente praticados:
  • 0,0041% ao dia, equivalente à alíquota mensal de aproximadamente 1,1%, para operações de crédito, câmbio e títulos;
  • 0,38% para operações de câmbio e seguros.
Com tais alterações, assegura-se que eventuais modificações de alíquotas pelo Poder Executivo sejam mantidas dentro de limites estritos, condizentes com a realidade econômica, protegendo o contribuinte de aumentos súbitos e excessivos, e evitando, inclusive, a extrapolação das finalidades permitidas pelo CTN.

Além disso, o projeto reforça o papel do Congresso Nacional como tutor do poder de tributar em um Estado Democrático de Direito, conforme determina o sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição Federal.

Diante do exposto, espera-se que o Congresso Nacional APROVE a presente proposição, conferindo maior racionalidade, coerência normativa e proteção ao contribuinte no exercício da política tributária brasileira.

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