1. Histórico Normativo: Decretos do Poder Executivo que majoraram as alíquotas do IOF
No primeiro semestre de 2025, o Poder Executivo federal editou os Decretos nº 12.466, de 22 de maio de 2025, nº 12.467, de 23 de maio de 2025, e nº 12.499, de 11 de junho de 2025, por meio dos quais promoveu aumentos significativos nas alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF).
Nos termos do art. 63 do Código Tributário Nacional (CTN), o IOF incide sobre quatro materialidades distintas: operações de crédito, de câmbio, de seguros e sobre títulos e valores mobiliários. Os decretos mencionados elevaram as alíquotas incidentes nas quatro hipóteses de incidência previstas no CTN, justificando-se oficialmente como medidas de reforço ao arcabouço fiscal.
2. O IOF como Tributo que Incide sobre Todas as Faixas de Renda
Ainda que se argumente que o IOF recai majoritariamente sobre pessoas de renda mais elevada, é necessário observar que o referido imposto possui um impacto transversal em toda a economia. Operações de crédito, contratos de seguro e transações com cartões de crédito ou mesmo pequenas importações envolvem, de forma direta ou indireta, consumidores de diversas faixas de renda.
Por sua natureza de tributo indireto, o IOF tende a recair com maior intensidade sobre as camadas mais vulneráveis da população, o que reforça a importância de se estabelecerem limites claros à sua modulação por atos unilaterais do Poder Executivo.
3. A Sustação pelo Congresso Nacional: Decreto Legislativo nº 176/2025-CN
Diante das alterações promovidas, o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo nº 176/2025-CN, com fundamento no art. 49, V da Constituição Federal, que atribui ao Poder Legislativo a competência para “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
Do ponto de vista formal, portanto, o Decreto Legislativo n° 176/2025-CN está fundamentado em competência constitucional expressa, não havendo, à primeira vista, vício de iniciativa ou de forma.
4. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7839) e Argumentos Contrários ao Decreto Legislativo
A constitucionalidade do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela ADI nº 7839, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Os principais fundamentos da ação são:
i. Os decretos do Executivo não exorbitaram o poder regulamentar, uma vez que o art. 153, §1º da CF/88 autoriza o Executivo a alterar alíquotas do IOF por decreto;
ii. O art. 5º, parágrafo único da Lei nº 8.894/1994 expressamente autoriza o Poder Executivo a “reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal”;
iii. A edição do Decreto Legislativo teria violado o princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF/88), uma vez que interferiria indevidamente na esfera de competência privativa do Executivo.
5. Análise de Constitucionalidade: Limites da Delegação e a Finalidade Fiscal
Conforme já sustentado em artigo anterior publicado em maio de 2025 (veja aqui), argumentamos que os Decretos nº 12.466, 12.467 e 12.499/2025 são inconstitucionais, pois extrapolam os limites da delegação legislativa ao promoverem majoração do IOF com finalidade arrecadatória, vinculada à política fiscal, e não à política monetária, conforme exige o art. 65 do CTN:
Art. 65. O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária.Apesar de as Leis Ordinárias nº 8.894/1994 e nº 9.718/1998 permitirem ajustes também por razões de política fiscal e cambial, a interpretação sistemática e hierárquica da Constituição indica que as limitações ao poder de tributar devem ser estabelecidas por lei complementar, nos termos do art. 146, II da CF/88. Portanto, prevalece a exigência contida no CTN (lei complementar) de vinculação exclusiva à política monetária.
6. Possibilidade de Declaração de Inconstitucionalidade do Decreto Legislativo pelo STF
Ainda que a interpretação acima nos pareça mais sólida, é juridicamente possível que o STF venha a declarar o Decreto Legislativo nº 176/2025-CN inconstitucional. Isso porque:
- O art. 1º da Lei nº 8.894/1994 estabelece alíquota máxima de até 1,5% ao dia para o IOF sobre crédito, câmbio e valores mobiliários, e o art. 15 da Lei nº 9.718/1998 admite até 25% nas operações de seguro;
- O Poder Executivo, ao elevar alíquotas para patamares muito inferiores a esses limites máximos, estaria, em tese, agindo dentro dos parâmetros da delegação legislativa conferida por leis ordinárias, o que fragilizaria a fundamentação do Decreto Legislativo quanto à alegada exorbitância.
7. Proposta Legislativa como Solução Jurídica
A fim de conferir maior segurança jurídica e restringir o espaço discricionário do Poder Executivo, o Congresso Nacional pode editar lei ordinária (uma minuta de Projeto de Lei com tal finalidade está no anexo a este artigo) alterando os arts. 1º e 5º da Lei nº 8.894/1994 e o art. 15 da Lei nº 9.718/1998, nos seguintes termos:
- Reduzir a alíquota máxima prevista no art. 1º da Lei nº 8.894/94 de 1,5% ao dia para 0,0041% ao dia (equivalente à alíquota mensal atual de aproximadamente 1,1%);
- Estabelecer no art. 5º da mesma lei o teto de 0,38% para o IOF sobre câmbio (valor atualmente vigente);
- Reduzir no art. 15 da Lei nº 9.718/98 a alíquota do IOF sobre seguros de 25% para 0,38%.
Conclusão
A nosso ver, a constitucionalidade do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN se sustenta na inobservância, por parte do Executivo, dos limites legais estabelecidos por lei complementar (CTN), que restringe a alteração de alíquotas do IOF à finalidade de política monetária. Entretanto, reconhecendo-se a amplitude da delegação prevista em leis ordinárias, existe o risco jurídico de o STF declarar o referido decreto legislativo inconstitucional.
Para mitigar esse risco e preservar a prerrogativa do Parlamento, recomenda-se a edição de lei ordinária que fixe de forma clara e restrita os limites máximos das alíquotas do IOF, ajustando os dispositivos da legislação infraconstitucional às práticas fiscais vigentes. Tal medida traria maior segurança jurídica e equilíbrio institucional entre os Poderes.
ANEXO: Minuta de Projeto de Lei que propõe a limitação da delegação legislativa para alteração das alíquotas do IOF pelo Poder Executivo, com foco na redução dos tetos legais hoje vigentes
PROJETO DE LEI Nº ____, DE 2025
Altera as Leis nº 8.894, de 21 de junho de 1994, e nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, para redefinir os limites máximos das alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários – IOF.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O art. 1º da Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários, será cobrado à alíquota máxima de 0,0041% (quatro mil e quarenta e um décimos de milésimo por cento) ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativas a títulos e valores mobiliários.
Art. 2º O art. 5º da Lei nº 8.894, de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 5º O IOF incidente sobre operações de câmbio de que trata esta Lei será cobrado à alíquota máxima de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento).
Art. 3º O parágrafo único do art. 5º da Lei nº 8.894, de 1994, permanece em vigor, nos seguintes termos:
Parágrafo único. O Poder Executivo poderá reduzir ou restabelecer as alíquotas fixadas nesta Lei, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal, desde que respeitados os limites máximos definidos nos arts. 1º e 5º.
Art. 4º O art. 15 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 15. A alíquota do IOF nas operações de seguro será de até 0,38% (trinta e oito centésimos por cento).
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
O presente Projeto de Lei tem por objetivo redefinir os limites máximos das alíquotas do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), com vistas a conferir maior segurança jurídica, previsibilidade tributária e respeito aos princípios constitucionais que regem a atuação do Poder Executivo em matéria fiscal.
Atualmente, a legislação infraconstitucional permite que o Poder Executivo, por meio de decreto, altere as alíquotas do IOF, com base em delegações amplas estabelecidas nas Leis nº 8.894/1994 (artigos 1º e 5º) e nº 9.718/1998 (art. 15). Tais dispositivos autorizam majorações expressivas, com limites que chegam a 1,5% ao dia no caso de operações de crédito, câmbio e títulos, e 25% no caso das operações de seguro, o que permitiria, em tese, aumentos equivalentes a 56,3% ao mês, sem necessidade de aprovação legislativa específica.
Ainda que tais delegações legais tenham fundamento no art. 153, §1º da Constituição Federal, que admite a alteração de alíquotas do IOF por ato do Poder Executivo, é importante ressaltar que o art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal determina que cabe à lei complementar estabelecer as limitações ao poder de tributar. Nesse sentido, o Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 65, define que a alteração das alíquotas do IOF pelo Executivo deve observar os limites legais e servir exclusivamente aos objetivos da política monetária.
No entanto, como amplamente divulgado, os Decretos nº 12.466, de 22 de maio de 2025; nº 12.467, de 23 de maio de 2025; e nº 12.499, de 11 de junho de 2025, elevaram as alíquotas do IOF com fundamento em finalidades arrecadatórias, vinculadas à política fiscal, com o declarado intuito de “reforçar o arcabouço fiscal”, em contrariedade ao limite constitucional e legal estabelecido.
Tal atuação motivou a edição, pelo Congresso Nacional, do Decreto Legislativo nº 176/2025-CN, com base no art. 49, inciso V da Constituição Federal, com o objetivo de sustar os efeitos dos referidos decretos presidenciais, sob o fundamento de que estes teriam exorbitado os limites da delegação legislativa.
Contudo, atualmente, encontra-se em curso no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7839, proposta por partido político com representação no Congresso, na qual se sustenta a validade formal dos decretos presidenciais em razão da ampla delegação contida nas leis ordinárias citadas.
Diante desse cenário de incerteza jurídica e da necessidade de evitar novos conflitos constitucionais, propõe-se, por meio deste Projeto de Lei, a redução dos tetos legais de alíquota do IOF para os patamares atualmente praticados:
- 0,0041% ao dia, equivalente à alíquota mensal de aproximadamente 1,1%, para operações de crédito, câmbio e títulos;
- 0,38% para operações de câmbio e seguros.
Além disso, o projeto reforça o papel do Congresso Nacional como tutor do poder de tributar em um Estado Democrático de Direito, conforme determina o sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição Federal.
Diante do exposto, espera-se que o Congresso Nacional APROVE a presente proposição, conferindo maior racionalidade, coerência normativa e proteção ao contribuinte no exercício da política tributária brasileira.
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